2/05/2009

E N T R E V I S T A: Edgard Guimarães


Batalhador incansável em prol da divulgação dos quadrinhos em geral, com atenção especial aos independentes, Edgard Guimarães também faz HQs. Com seu fanzine QI ( Quadrinhos Independentes ), ficou conhecido em todo o Brasil. Vários prêmios destinados a categoria seu trabalho conquistou. Nesta entrevista ao nosso blog, ele fala sobre suas afinidades, seus interesses, sobre seu fanzine, suas influências, sobre o futuro dos quadrinhos, dentre outros assuntos. Confiram o bate-papo:
Por: Alex Sampaio

1. Madeinquad: Quem é Edgard Guimarães?
EG: Sou engenheiro e trabalho como professor universitário. Nas horas vagas faço quadrinhos e publico e edito fanzines. Também tenho escrito textos sobre quadrinhos e zines.

2. Madeinquad: Quais suas afinidades com as HQs?
EG: Gosto de quadrinhos sobre todos os aspectos. Ler, produzir, publicar, estudar, etc. Acho que a origem disso foi o contato com revistas de quadrinhos na infância, antes mesmo da alfabetização e também com o incentivo dos pais para leitura, a redação e o desenho. Com esta base inicial, o restante pôde ser desenvolvido.


3. Madeinquad: Como surgiu seu interesse pelos fanzines?
EG: O começo foi meio por acidente. Ao ver o anúncio de diversos fanzines nas revistas Eureka e Spectro, pensei que fossem todos revistas de quadrinhos e procurei entrar em contato. Quando recebi os primeiros números, vi que haviam revistas como Historieta e também edições com textos sobre quadrinhos como Opar Boletim. A partir daí, meu interesse foi cada vez mais ficando amplo.


4. Madeinquad: Fale um pouco sobre seu fanzine Psiu:
EG: Em 1982 eu já mantinha há três anos contatos com editores de fanzines. Aí resolvi aditar uma revista trazendo seleção de minhas HQs até o momento. Assim, editei o nº 1 de Psiu. A idéia era fazer a revista semestral com HQs de colaboradores. Também teriam destaques na revista, textos sobre quadrinhos.


5. Madeinquad: Quantos números do Psiu circularam?
EG: A intenção era fazer do Psiu uma publicação semestral, mas não consegui, pois era uma coisa muito trabalhosa. O nº 2 só circulou em 1985 e o nº 3 em 1990.


6. Madeinquad: Quais suas influências nos quadrinhos?
EG: As influências são muito variadas e até hoje continuo observando muito os trabalhos publicados, tanto em banca, livraria e no meio independente. No roteiro, eu cito sempre os trabalhos de Henfil, Berardi e Oesterheld, como os que muito me impressionaram.


7. Madeinquad: Você tem um estilo próprio de compor HQ. Como surgiu a série Os Bichos?
EG: Esta pergunta me deixou intrigado. De fato eu criei uma série chamada Os Bichos em 1972, quando eu ainda era bem moleque. Apesar da semelhança, esta série não foi inspirada em Animal Crackers, de Rog Bollen ( no Brasil chamada de Os Bichos ), que só conheci em 1974 quando publicada em Eureka. Mas esta minha série Os Bichos nunca foi publicada, então não sei como você conseguiu esta informação.


8. Madeinquad: Qual a sensação de já ter ganho o Troféu Ângelo Agostini?
EG: É uma grande satisfação, principalmente porque representa o gosto de uma parcela dos leitores que deram o seu voto ao meu trabalho. O troféu Ângelo Agostini eu ganhei duas vezes na categoria fanzine, pelo meu trabalho com o QI. Além disso, ganhei também o Prêmio Jayme Cortez, dado pela AQC – Associação de Quadrinhistas e Caricaturistas, aos incentivadores de quadrinho nacional.


9. Madeinquad: Como tem visto a HQ nacional ultimamente?
EG: O mercado para a HQ brasileira é muito instável. Às vezes há bons lançamentos, mas ultimamente anda muito ruim. Até as revistas de humor como Chiclete com Banana e Níquel Náusea, sumiram. Também o terror e o erótico que foram peças de resistência, sumiram. O que salva é que os produtores independentes não desanimam e produzem muita coisa boa.


A INICIATIVA PRIVADA JAMAIS VAI ABRIR MÃO DO LUCRO FÁCIL DA IMPORTAÇÃO DE HQs PRONTAS, PARA INVESTIR EM PRODUÇÃO NACIONAL!


10. Madeinquad: Existe futuro para nossa HQ, ou teremos sempre que bater às portas das editoras americanas?
EG: Sempre será possível que um autor ou um personagem consiga cair no gosto do público e, apesar de toda a dificuldade, conquiste uma fatia estável de mercado, como fez Mauricio de Sousa. Mas, para a criação de uma indústria diversificada de produção de quadrinhos brasileiros, seria necessário uma proteção por parte de leis, ou investimento através do estado.


11. Madeinquad: Com essa globalização fica meio difícil. Quase uma uropia...
EG: Nessa época de liberalismo econômico em que nem as estatais produtivas resistem ao sucateamento, não há esperança de apoio por parte do Governo. A iniciativa privada não vai abrir mão do lucro fácil da importação de HQs prontas, para investir em produção nacional.


12. Madeinquad: Como surgiu a idéia de editar o QI?
EG: Na verdade, a divulgação de fanzines é parte integrante da maioria dos zines. Antes de 1993 haviam pelo menos três fanzines que faziam divulgação maciça de outros zines. Eram o Opinião, Repórter HQ e Tempo Livre. No final de 1992, só o Tempo Livre estava sendo editado. Achei que havia espaço para um fanzine exclusivamente de divulgação de outros zines.


13. Madeinquad: Como você consegue conciliar sua vida profissional com a elaboração do QI, que tem uma tiragem significativa de 700 exemplares e,com isso, exige tempo para impressão, envelopamento e distribuição?
EG: De fato não é fácil, meus fins de semana são inteiramente dedicados aos fanzines. A parte mais trabalhosa é escrever os textos sobre todos os zines recebidos. Não é à toa que de vez em quando, para não atrasar a numeração do QI, eu faço dois números de uma única vez. Também dá bastante trabalho montar os exemplares, já que a gráfica passa o material impresso com as folhas soltas, envelopar e endereçar.


14. Madeinquad: Quem custeia o zine?
EG: A impressão é em parte paga pelos anúncios. O restante, o Worney e eu complementamos. O porte do correio sou eu quem custeio.


15. Madeinquad: Que tem lido ultimamente em termos de HQs?
EG: Tirando o Mauricio de Sousa e Disney, leio tudo que sai em banca e livraria. Também procuro adquirir álbuns portugueses, que é uma boa maneira de conhecer os quadrinhos europeus. Compro também algumas edições americanas, mas só de HQs clássicas.


16. Madeinquad: Quais artistas nacionais merecem destaque ultimamente?
EG: Há no Brasil uma quantidade muito grande de artistas de ótima qualidade. Recentemente saíram novos trabalhos muito bons de Shima e Colin e, também do Laerte. Há autores mais novos também com trabalhos admiráveis, como a arte de André Vazzios, Alexandre Jubran, o álbum Manticore feito por Gian Danton, Antonio Eder e outros. Nos fanzines, há outros tantos autores muito interessantes, como Henry Jaepelt e Agenor Bottene, só para citar alguns.


O GERME DAS MINHAS INSPIRAÇÕES ESTÁ MUITOS ANOS ATRÁS, MAIS PRECISAMENTE NUM PROGRAMA DE TV!


17. Madeinquad: Tem produzido alguma coisa sobre quadrinhos atualmente?
EG: Há pouco tempo reuni todos os meus textos sobre quadrinhos na forma de um livro chamado "Desenquadro", que está sendo distribuído por mim. De lá para cá saíram uns poucos textos meus sobre fanzines em revistas de banca. Tenho produzido textos mais aprofundados para o Congresso de Comunicação promovido pelo Intercom, no Grupo de Trabalho Sobre Quadrinhos pelo Flávio Calazans. No ano passado apresentei um texto sobre crítica em Recife. Este texto foi publicado recentemente no fanzine Top!Top! do Henrique Magalhães. Este ano apresentarei no Rio de Janeiro um trabalho sobre conceituação da história em quadrinhos.


18. Madeinquad: De onde vêm suas inspirações para produzir seus roteiros?
EG: Normalmente é uma mistura de muitas coisas acontecidas, lidas, vividas, etc. Só um exemplo: Há muitos anos, o programa Fantástico da Rede Globo apresentou uma série de reportagens sobre temas sobrenaturais feitos por um grande escritor de ficção científica, que não tenho certeza se era o Arthur Clarke. Na conclusão da série, ele dizia que todos os casos que ele tinha investigado eram fraudes ou fenômenos naturais. Eu sempre quis assistir a alguma série de TV que abordasse o sobrenatural, mas de maneira desmistificadora. Quando surgiu Arquivo X, eu pensei que esta série fosse dessa maneira, mas não é. Então em 1998, quando surgiu uma chance de produzir roteiro para eventual publicação em revista, eu criei uma série com essas características. Veja que o germe da criação está muitos anos atrás num programa de TV estilo documentário.


MUITAS EDITORAS TRABALHAM DE FORMA IRREGULAR, ONDE NÃO PAGAM AO ARTISTA E PUBLICAM TRABALHOS SEM AUTORIZAÇÃO!


19. Madeinquad: Você já tentou contato com alguma editora para publicação de algum trabalho?
EG: Na época da editora Press, os editores chegaram a me solicitar alguns roteiros. Eu fiz dois e um deles foi publicado totalmente modificado. Depois disso eu sempre enviei HQs pelos correios sempre que haviam algumas revistas interessantes sendo publicadas. Algumas vezes, meu trabalho foi publicado como colaboração do leitor, a exemplo da revista Circo e Mestres do Terror. Em 1998, o Worney tentou publicar uma revista de quadrinhos e eu ia participar com o roteiro de uma série dentro da revista. Este projeto não deu certo e agora a história que foi feita eu vou publicar em um próximo número do QI.


20. Madeinquad: Como você vê as reclamações dos artistas nacionais contra os editores sobre o não pagamento de suas publicações nas revistas?
EG: Infelizmente há um número significativo de pequenas editoras que trabalham de forma irregular, muitas vezes não pagando ao artista, ou publicando trabalhos sem autorização. Os canos não são só nos colaboradores, as gráficas e distribuidoras também levam prejuízos. Já ouvi muitos casos acontecidos e, mesmo comigo, que quase nunca publiquei, já deixei de ser pago também.


21. Madeinquad: Que falta para o quadrinho nacional difundir mais pelo país?
EG: Falta principalmente investimento. Isso só pode ser feito através de editoras com um mínimo de infraestrutura e capital. Normalmente estas editoras preferem comprar material já pronto feitos no exterior, ao investir na produção brasileira. Então, seria necessária uma legislação que protegesse o quadrinho nacional, que incentivasse o editor a investir no nosso mercado. Isso é muito pouco provável em um governo que está se desfazendo das responsabilidades estatais.


SERIA NECESSÁRIA UMA LEGISLAÇÃO QUE PROTEGESSE O QUADRINHO NACIONAL, QUE INCENTIVASSE O EDITOR A INVESTIR NO NOSSO MERCADO!


22. Madeinquad: E o artista Edgard, freqüentou alguma escola ou curso de desenho para produzir HQ?
EG: Infelizmente não, o que em parte explica minhas limitações como desenhista. Tive oportunidade de ler alguns desses cursos de desenho por correspondência e livros sobre o assunto, mas não dá para comparar. Só para lembrar, o Frank Frazetta, com cinco anos de idade, já estava matriculado numa escola de desenho de um pintor conceituado, tendo aulas com modelo vivo.


23. Madeinquad: Que acha dos fanzines como publicação alternativa?
EG: Considero a publicação de revistas independentes algo muito importante, por vários motivos. Nos fanzines de nostalgia, por exemplo, é que as informações sobre quadrinhos antigos estão sendo preservadas, além dos próprios quadrinhos que são republicados. Também nos fanzines sobre quadrinhos atuais é que a crítica é feita , uma vez que os jornais e revistas, grande parte das vezes, se ocupam de releases ou opiniões não fundamentadas. Também é o espaço para divulgação de centenas de artistas, tanto iniciantes, como autores com trabalhos pessoais.


OS FANZINEIROS NÃO PODEM DESISITIR DE PRODUZIR E EDITAR, MESMO QUE AS CONDIÇÕES LHES PAREÇAM ADVERSAS!


24. Madeinquad: Você lê todos os fanzines que chegam as suas mãos?
EG: Os fanzines de quadrinhos eu leio todos. Às vezes quando têm HQs de continuação, espero a conclusão para ler tudo de uma única vez. Nos fanzines de música, poesia e assuntos gerais, faço uma leitura seletiva. Olho tudo e só leio o que mais me interessa.


25. Madeinquad: Seu recado final:
EG: O que sempre digo aos fanzineiros é que não desistam de produzir e editar, mesmo que as condições lhes pareçam adversas. Não é porque há uma política de governo que não atenta para as condições da população em geral, que vamos deixar de fazer nossas publicações que nos dão tanto prazer.


N/R: Nossos sinceros agradecimentos ao artista Edgard por nos conceder esta excelente entrevista e por sua paciência em responder tantas perguntas.









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