4/08/2009

ENTREVISTA: Sidney de Carvalho

Sidney Carvalho é um desses caras bem determinados, que buscam objetivos sempre. Seu interesse por quadrinhos começou na década de 70 e, de lá para cá, a vocação sempre esteve aflorando junto com seus conhecimentos. Vários prêmios e Menção Honrosas foram conquistados. Através do seu zine Miuzine, seus personagens estão ficando conhecidos no mundo underground. Nesta entrevista ao nosso blog, ele fala sobre esses assuntos, seus projetos e sobre a sua relação com a HQ de um modo geral.

Por: Alex Sampaio

Quem é Sidney Carvalho?
Nasci em Salvador em 02 de junho de 1969. Sou geminiano autêntico, daqueles bem falantes. Adoro rock e apesar de baiano, sou gremista doente.

Como surgiu os Miudins?
Em 1999, tive a idéia de fazer tiras com crianças, mas fugindo do padrão Mônica. Buscava algo diferente, já que na maioria das tiras do gênero, as crianças são bonitinhas e bem alimentadas como o Charlie Brawn, Luluzinha, Pimentinha etc. Decidi inverter tudo.

A década de 70 foi a melhor fase do Mauricio de Sousa na minha opinião!
De que forma?
Resolvi fazer tiras com crianças pobres, na maioria negras, misturando o humor infantil e o humor político social.

Como começou esse interesse por quadrinhos?
Na infância. Lá pelos anos 70 e início dos 80.Lia muito Disney, Hanna Barbera, Mauricio de Sousa e mais tarde, Marvel e DC. Naquele começo o Mauricio foi a minha grande referência, isso ali pelo final dos anos 70, quando seus desenhos deram um salto incrível de qualidade e que para mim, foi sua melhor fase. Na minha opinião ele deve muito ao Jayme Cortez, seu diretor de arte na época e responsável pelo avanço estético nas HQs da Turma da Mônica.

A Maioria das tiras infantis são de crianças bonitinhas e bem alimentadas. Busquei fugir desse padrão!

Você já faz HQ profissional?
Trabalho no Estúdio Cedraz, desenhando a Turma do Xaxado.

Como é trabalhar com o Cedraz?
É muito gratificante trabalhar com ele. Cedraz fala sério no momento de seriedade e na hora da descontração ele brinca bastante. É como se fosse o paizão dos quadrinhistas baianos. Sempre dá força aos artistas contemporâneos, inclusive aos trabalhos individuais dos membros da sua equipe.

Que tem lido ultimamente?
Tenho lido HQ de humor, infantil e cena política.

Tem alguma influência no meio artístico?
Tenho influências do Mauricio de Sousa, Ziraldo, Ademir Pontes ( Estúdio Ely Barbosa ), Edgard Vasquez, Dick Brawne, Angeli e Robert Crumb.

Como surgiu o Miuzine?
O Miuzine surgiu em 2000 devido a necessidade de fazer um trabalho só para os Miudins. Alguns fanzineiros me incentivavam e então a idéia deslanchou e eu resolvi encarar.

Que acha dos fanzines como meio de divulgação independente?
Importantíssimo, principalmente para o quadrinhista iniciante. Ajuda a divulgar o seu trabalho. Ganha-se experiência. Suas HQs são avaliadas pelos leitores, zineiros e artistas experientes.

Quais foram seus primeiros trabalhos?
Comecei em 1986 desenhando o favelado Baiano em parceria com o Gonçalo Jr, que editava na época o fanzine baiano Quadrinhos Magazine. Naquele período, o Bruguelo era o parceiro do Baiano, que me serviu de base temática para desenvolver os Miudins anos depois.
A base dos meus roteiros vem da minha infância na periferia de Salvador!

Fale um pouco sobre seus personagens::
O Bruguelo é um garoto jornaleiro, muito inteligente e contestador. O Toninho é esfomeado. O Balango adora futebol e é muito travesso. O Chiboca vende picolé, é muito mal humorado e gosta de uma boa briga. A Gilmara é romântica e adora novela. A Rosinete, apesar de pobre, é muito esnobe. O Adelmo, é feio, convencido e metido a galã.

Cheguei a mandar vários desenhos para os editores, mas não deu em nada!

Qual a base dos seus roteiros?
Tenho como inspiração a minha infância na periferia, local onde vivo até hoje. Além disso, vejo TV e leio bastante para sempre ter novas idéias.

Já teve a oportunidade de contatar algum editor para mostrar seus trabalhos?
Cheguei a mandar vários desenhos para o Estúdio do Mauricio de Sousa, mas não deu em nada. No ano passado enviei muitas tiras para a revista Calvin & Cia e não recebi resposta.

Como surgiu a oportunidade de trabalhar com o Cedraz?
Conheci o Cedraz em 84, quando fizemos um curso de desenho animado. Eu tinha uns 15 anos na época. Passei a fazer algumas colaborações para ele, desenhando tiras e HQs. Em 97, ao se aposentar, o Cedraz decidiu criar um Estúdio de quadrinhos e surgiu o convite para trabalhar com ele.
Como vê o mercado de quadrinhos nacional?
As editoras apostam sempre nos enlatados, sendo os japoneses a bola da vez atualmente. Acho até louvável a iniciativa da Escala abrindo espaço para artistas brasileiros, mas ainda é pouco. Predomina a mentalidade de investir em HQ com personalidades, tudo acaba em “inho” ou “inha”: Oscazinho, Pelezinho, Senninha, Aninha. Já penso em lançar o Gugazinho, FHCzinho ou ACMzinho.

Vale a pena ser artista das HQs no Brasil?
É dificílimo e desleal. Os gringos chegam aqui com os pacotes prontos. São revistas, álbuns de figurinhas, brinquedos, guloseimas etc. O artista brasileiro bate de frente com esse esquemão. Não devemos esmorecer.

Os japoneses são a bola da vez atualmente!

Que tem feito em termos de quadrinhos no momento?
Além de desenhar o Xaxado, faço as tiras e HQs dos Miudins e tenho participado de alguns salões de humor. Recebi uma Menção Honrosa no Salão de Humor de Volta Redonda e Menção Especial no 1º Salão Internacional de Humor da Bahia, ambas em 2001.

Quais seus projetos para o futuro?
Venho produzindo material para oferecer aos jornais. Aliás, prefiro publicar em jornais do que ter revista em Banca.

Qual o motivo dessa preferência?
Acredito que para um desenhista que ainda não tem personagem conhecido como eu, o jornal é um veículo promocional mais eficiente. O fato de circular diariamente e de que cada exemplar será lido em media por seis pessoas, há a possibilidade de uma resposta mais rápida ao seu trabalho. Com revista a coisa é diferente, que além de não contar com um marketing forte, você tem que se preocupar com distribuição e rezar para que comprem. Caso contrário, o cancelamento da publicação é certo.

Chega-se a conclusão então, que para um bom começo, os jornais funcionam?
Claro! Quando a mônica estreou em revista em 1970, ela já vinha de uma experiência de seis anos em jornais. Agora, com as quedas nas vendas de suas revistas, soube que o Mauricio voltará as origens, investindo pesado em tiras nos jornais. O caminho é esse.

Você acha que trabalhar com HQ no Brasil é mais um hobby que uma profissão?
Infelizmente não temos uma indústria forte de quadrinhos no Brasil. Pouquíssimos artistas vivem somente de HQ neste país. Atitudes como a de Cedraz, por exemplo, em montar equipe de trabalho fora do eixo Rio/SP, alimentam esperanças para um futuro promissor.

Seu recado final:
Gostaria de agradecer aos fanzineiros que nos últimos dois anos deram espaço ao meu trabalho e com isso ajudaram os Miudins a ter destaque no cenário alternativo de HQ.

MinQ: Nossos sinceros agradecimento ao Sidney pela oportunidade de tê-lo como nosso entrevistado.

ASSIM NASCERAM OS QUADRINHOS


Por: Alex Sampaio

Como se sabe, a Alemanha teve Wilhelm Busch, com seus personagens Max und Moritz. A Suíça destaca-se com Rudolph Töpfer e Monsieur Vieux-Bois. A França comparece ao panorama universal com Christophe e sua Famille Fenouillard. A Inglaterra, por sua vez, apresenta a revista Punch como o primeiro veículo de quadrinhos. Os norte-americanos, disseminaram o mito de que é deles a criação dos quadrinhos, surgidos sob a camisola do Yellow Kid, de Richard Felton Outcault. Em comparação com todos esses países, alguns deles verdadeiros baluartes da indústria quadrinhística internacional, seria natural que o Brasil se sentisse inferiorizado. Mas tal não acontece, pois ele também o quer mostrar. Na realidade, contemporâneo aos demais ou até mesmo atuando alguns anos antes deles, se formos mais precisos, já estava no Brasil o caricaturista Ângelo Agostini, publicando nos jornais do Segundo Reinado, em linguagem gráfica, as aventuras de suas diversas personagens.

De uma certa forma, o próprio nome já o denuncia: Ângelo Agostini não era originalmente brasileiro, embora tenha vivido aqui grande parte de sua vida e tenha finalmente se naturalizado em 1888. Na realidade, ele nasceu em Vercelli, na Itália, pouco antes da metade do século XIX e veio para o Brasil quando tinha dezesseis anos. Aqui viveu a maior parte da sua vida, até a sua morte, em 1910. No entanto, apesar de italiano de nascença, ele pode muito bem ser considerado como brasileiro, não apenas porque se naturalizou, mas, também, por ter aqui desenvolvido todas suas atividades artísticas de destaque.

Tendo desde jovem se dedicado à ilustração, Agostini colaborou primeiramente na revista Diabo Coxo e depois em O Cabrião. Possuía uma veia satírica bastante destacada, o que lhe valeu vários entreveros com a polícia do Segundo Império e, depois, com a da nascente República. Seu trabalho marcou esse período, sendo impossível realizar uma análise da história brasileira dessa época sem mencioná-lo e a seu trabalho. No Cabrião, apareceram seus primeiros trabalhos e ilustrações. Deve-se considerar que eles não tinham ainda os elementos característicos dos quadrinhos, como o balão ou a onomatopéia, algo que, aliás, também faltava ao trabalho tanto de europeus como de norte-americanos naquele período. No entanto, pode-se defender que os trabalhos de Agostini guardavam uma semelhança muito maior com os quadrinhos do que os dos autores acima citados. Era, então, o ano de 1864; as histórias em quadrinhos, tais como as conhecemos hoje, estavam longe de existir.

Durante sua atribulada vida, Agostini fez um pouco de tudo no que diz respeito à arte gráfica. Foi ilustrador freqüente de várias revistas, entre os quais se destacam a Vida Fluminense e O Mosquito. Fundou e foi, durante mais de dez anos, o diretor da Revista Ilustrada. No fim de sua carreira, colaborou com a empresa O Malho, responsável pela revista infantil O Tico-Tico, de cujo logotipo foi o idealizador. E foi também a mente criativa por traz de várias personagens fixas, publicadas durante anos em algumas dessas revistas, que estudiosos identificam como pioneiras entre as personagens fixas dos quadrinhos. Duas delas se destacam nesse rol.

Ângelo Agostini publicou sua primeira história com personagem fixo na Vida Fluminense, iniciando em janeiro de 1869. Intitulada As aventuras de Nhô Quim, ou impressões de uma Viagem à Corte, narra as experiências de um caipira perdido na cidade grande. A história é desenvolvida em uma série de situações hilariantes, na realidade constituindo muito mais variações em torno de um mesmo tema que um enredo contínuo com começo, meio e fim. Entre cada um dos episódios de sua série, o autor introduziu como que uma espécie de gancho, que deixava pressupor a continuidade no número seguinte do jornal. Essa modalidade narrativa funcionava muito bem como estratégia de marketing e como elemento de manutenção de uma clientela cativa de leitores, como já haviam descoberto os autores de folhetim alguns séculos antes e como descobririam os syndicates norte-americanos vários anos depois.

É fácil identificar que esse trabalho de Ângelo Agostini já encerra uma novidade para a época: uma proposta narrativa de maior fôlego que poderia até ser considerada, segundo o pesquisador Antonio Luis Cagnin, como "a primeira novela-folhetim de que se tem notícia, ou, como se diz hoje em dia, a primeira graphic novel". Nessa série, Agostini destaca-se no uso de recursos metalingüísticos ou de enquadramentos inovadores para a época, como uma sucessão de vários quadrinhos utilizando um mesmo cenário de fundo, técnica que apenas muito tempo depois foi explorada pelas histórias em quadrinhos. A personagem foi publicada de 1869 a 1872, tendo sido também desenhada por Cândido de Aragonês Faria, que manteve o mesmo estilo do criador original.

Sua segunda personagem fixa, Zé Caipora, praticamente mantém a mesma temática de Nhô Quim. Mudam-se apenas os traços do protagonista, mas permanecem a mesma temática e forma narrativa. As aventuras de Zé Caipora foram publicadas de maneira não muito regular, de 1883 até 1886, na Revista Ilustrada; foram depois retomadas, durante algum tempo, no Don Quixote, e finalmente encerraram suas peripécias no periódico O Malho. Posteriormente, foram publicadas em álbum independente, sendo as histórias redesenhadas por seu autor. Segundo os críticos, Agostini atingiu, em As aventuras de Zé Caipora, um grau de qualidade do desenho muito superior ao que havia atingido em sua obra anterior, As aventuras de Nhô Quim, gerando uma produção artística que ainda hoje se destaca pelas explorações criativas em que seu autor se aventurou. Acima de tudo, Agostini representou um artista que jamais teve medo de ousar. Um exemplo ainda atual.

Durante sua carreira, Agostini e sua arte engajaram-se em várias causas. Liberal convicto, fez uma ferrenha campanha a favor da Abolição da Escravatura, que ocorreu em 13 de maio de 1888, e pela República, proclamada em 20 de novembro de 1889. Além disso, era a favor da liberdade de culto no país e contra a repressão da população. Em reconhecimento a sua importante contribuição para o fim da escravatura, recebeu do político e abolicionista Joaquim Nabuco o título de cidadão brasileiro. Nesse ano entretanto, ele se envolveu em um escândalo. Casado e com dois filhos, Agostini se apaixona por uma aluna de desenho chamada Abigail e a engravida. Para evitar mais problemas, ele vende a Revista Ilustrada em 1888 e parte para a Europa no ano seguinte. A revista ainda duraria até 1898.

Embora Ângelo Agostini não tenha utilizado alguns dos recursos comuns às histórias em quadrinhos de hoje em dia, como o balão e a onomatopéia, desconhecidos em sua época, ele deve, com toda justiça, ter lugar assegurado entre os pioneiros da arte dos quadrinhos. Nada fica a dever, em termos de qualidade, a qualquer artista gráfico de sua época. Em alguns casos, até, chega mesmo a suplantá-los com grande vantagem. Recuperar a obra artística de Ângelo Agostini é tarefa que apenas aos poucos e arduamente vem sendo realizada no país, principalmente devido ao péssimo costume de se exaltar demasiadamente os valores alienígenas e fechar os olhos às belezas que internamente se possui. Algumas exposições já foram organizadas no país, mostrando seu trabalho, visando mostrar às novas gerações os meandros de uma produção artística inigualável em sua época.

Publicações que recuperam o trabalho desse artista, indiretamente como acontece em As barbas do imperador, de Lília Moritz Schwarcs , ou de maneira facsimilar como realizou a UNESP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo com a publicação de coletânea contendo tudo o que foi publicado no Cabrião, são iniciativas oportunas e necessárias. Também meritória é a comemoração, a cada 30 de janeiro, do Dia do Quadrinho Nacional, tradição instituída pela Associação de Quadrinhistas e Cartunistas do Estado de São Paulo (AQC-ESP), desta forma celebrando o aniversário do início da publicação de As Aventuras de Nhô Quim.

Quadrinhos sem futuro

Por: Alex Sampaio*

Apesar de muito estardalhaço na mídia e todo noticiário especulativo em torno de uma revitalização dos quadrinhos, principalmente com grandes sucessos que o cinema proporciona a 8º arte, em detrimento dos personagens de grande apelo popular, a realidade das HQs são bem diferentes dos que muitos acham e acreditam. Os quadrinhos sempre estiveram associados a diversão, mas muitas vezes com uma conotação inferior ou tratado com ojeriza. Lamentavelmente, vivemos numa nação sem princípios educacionais e notadamente sem costume de leitura. Entende-se assim, que abrangendo a conjuntura econômica e social, chegamos a números lastimáveis para uma população tão grande quanto a nossa.

Já vivemos com tantas bestialidades no nosso país e saber que somos tão medíocres na leitura, é de arrepiar. Estamos sempre remando contra a maré. A fama do Brasil na imprensa estrangeira já não é boa. O país é associado à destruição das florestas, violência contra a mulher, a infância abandonada chega a níveis intoleráveis, prostituição infantil, trabalho escravo em pleno Século XXI, tráfico internacional de mulheres e drogas, a doenças endêmicas e à violação de direitos humanos. Tem um ditado que explica bem essa questão cultural: O país que não educa seu povo, jamais será desenvolvido.

Como fazer um povo ler? Como acreditar numa população, quando um dos princípios básicos para o desenvolvimento da leitura acontece na escola e a nossa escola pública está completamente deteriorada? Nossas HQs sofrem com estes descasos, pois o costume da leitura começa cedo e nossos quadrinhos poderiam estar nas salas de aula, educando e convivendo com os futuros leitores e prováveis colecionadores de gibis. Como não existe uma filosofia voltada para leitura nesse país, sabemos que poucos migrarão para a 8º arte.

Conviver com tantos percalços, é desanimador. Toda arte busca um público, pois um artista sem público é de fato um desanimado sem ver o alcance da sua arte. Isso se reflete em vários setores e não somente nos nossos quadrinhos. Percebe-se perfeitamente que a cada ano o público leitor se afasta. Vários fatores estão ligados a esse distanciamento, desde o custo elevado de uma revista em banca, a péssima distribuição de renda do país. Acontece, que muito poderia ser feito para debelar esses inconvenientes tropeços, principalmente com uma política de subsidio aos produtos ligados a arte, educação e entretenimento. Só assim seriamos primeiro mundo.

*Alex Sampaio é colecionador de gibis, editor do zine Made in Quadrinhos e colunista de diversos sites na Internet.