3/09/2009

ENTREVISTA: Daniel Brandão


O criador do personagem O Noite e editor da revista Manicomics, Daniel Brandão, fala do início da sua carreira, das suas influências nos quadrinhos, da febre da HQ cearense, dos seu contato com editoras, do futuro do quadrinho brasileiro e da aceitação dos leitores ao seu trabalho nessa sensacional entrevista ao nosso blog:

Por: Alex Sampaio*

Antes de mais nada, é bom que os nossos leitores conheçam um pouco sobre o Daniel Brandão:
Nasci em Fortaleza em 03 de novembro de 1975 e, pelo que me lembro, sempre gostei de desenhar. Estudei Comunicação Social na UFC, sou sócio da Graph It Art & Software, uma empresa que lida com informática educativa basicamente e quadrinhos.

E os quadrinhos, os desenhos, como surgiram seus primeiros contatos com esse mundo?
Desde os sete anos de idade já lia quadrinhos ( Mauricio de Sousa, Trapalhões...) e já pintava quadros infantis nessa época e gostava muito de desenhar. Aos nove anos fui apresentado por um amigo a um mundo fascinante: os universos Marvel e DC. Desde então não pinto mais, apenas desenho.

Foi assim que surgiu seu interesse por HQ?
Sim. Aos dez anos produzi minha primeira HQ: Pantherman! Era tão ruim que foi esquecida numa viagem.

O que você lia nessa época?
Lia o máximo de quadrinhos que caía em minhas mãos, mas o que realmente colecionava era Marvel e DC. Sempre gostei do Demolidor.

E as inspirações para os roteiros, de onde vêm?
Os meus roteiros são traduções do que vivo e observo ao meu redor. Tanto os cômicos como os trágicos, surgem de acontecimentos ligados a mim de alguma forma. O Noite, por exemplo, é uma parte de mim. Agora eu quero deixar claro que para passar qualquer idéia para o papel, no meu caso, requer muita transpiração. Não é fácil construir um bom enredo.

Falando sobre O Noite, como ele surgiu?
O Noite surgiu quando eu tentei entrar na Oficina de Quadrinhos da UFC. Era necessária a apresentação de uma HQ de uma página com começo, meio e fim para ser aluno na Oficina. Eu tinha uma semana de prazo para isso e sem nenhuma idéia na cabeça. Daí veio a solução: para uma HQ de uma página, nada mais simples que um assassinato. Eu não tinha ainda nenhum personagem legal que fosse capaz de matar. Então criei um: O Noite. Era 1995 e eu fui aprovado.

E os seus colegas ( JJ, O Ed Carlos, O Eduardo, O Geraldo etc. ) como surgiu esta parceria?
O JJ foi o meu monitor na Oficina de Quadrinhos. Quando acabei o curso também virei monitor e ficamos amigos. O Ed Carlos foi aluno junto comigo e o Eduardo era grande amigo do JJ e frequentava a Oficina. O Geraldo eu conheci junto com o JJ no curso do Al Rio. Hoje, JJ, Geraldo e eu formamos o Graph It Stúdios. O Eduardo trabalha com a gente na área de software educativos. O Ed Carlos enveredou por outros caminhos.

E a revista Manicomics, como surgiu esta iniciativa?
A Manicomics é um sonho antigo. No começo de 1995, a turma que fazia Oficina estava descontente com o conselho Editorial da revista Pium, uma publicação da Universidade. Os quadrinhos que eram aceitos na época, ou eram muito regionalistas ou muito “cabeça” e, nós queríamos fazer algo que realmente gostassemos. Daí nos reunimos ( Ed Carlos, Sérgio Otomo, Layrus, Eduardo, Dudu, Asteka, Fonseca, JJ e eu) e surgiu a idéia, o nome, a linha a ser seguida etc. Acontece, que por motivos religiosos, financeiros, filosóficos etc. sobrou apenas o JJ, Eduardo, eu e depois o Geraldo se juntou com a gente. Com a força de vontade e com a grana deste último grupo, a idéia não morreu, o sonho não acabou e a Manicomics nº 0 saiu em outubro de 1996.

Outro detalhe, é sobre a revista Capitão Rapadura. Como pintou esta idéia?
Mino, o criador do Capitão Rapadura me conheceu em março de 1996. Ele me falou do projeto de produzir uma revista do Rapa, personagem criado em 1973 e da necessidade de formar uma equipe para isso. Então, convidei o JJ, o Geraldo e o Eduardo e fomos incumbidos de fazer um teste: produzir quarenta páginas de quadrinhos cada um em um mês. Conseguimos e fomos aprovados. Hoje, Mino, Geraldo, JJ e eu ( o Eduardo não deu para continuar ) e mais recentemente o Valdijúnio, formamos a equipe que produz a revista do Capitão Rapadura. Escrevemos, desenhamos, arte-finalizamos, colocamos as letras e em breve, o colorido.

Qual o segredo cearense para se produzir tantas revistas próprias, a exemplo da Manicomics, Capitão Rapadura, Pium, Garage Comics, dentre outras ?
DB: Acho que o Ceará ainda não atingiu o sucesso em termos de quadrinhos. O preconceito é grande e o público leitor é pequeno. O fato dessas publicações citadas existirem, é em consequência da força de vontade e do amor de algumas pessoas pelos quadrinhos. E olha que eu acho que a HQ no Ceará está passando por um dos seus melhores momentos...

Você já procurou ou foi procurado por alguma editora para mostrar os seus trabalhos?
Já procurei algumas editoras, sim. Visitei os Estúdios Maurício de Sousa, fui a Editora Escala, a Editora Trama, fui a Metal Pesado e claro, a Editora Riso, através do Mino. Fui bem tratado em todos as editoras, mas por enquanto, só consegui trabalho na Riso.

Qual a perspectiva do quadrinho brasileiro?
A melhor possível. Tenho esperança que com esse novo BUM! Que está acontecendo agora no quadrinho nacional, surgindo novas publicações, com novos artistas talentosos, com maior espaço na mídia e leitores deixando de se esconderem, o quadrinhista venha a ser reconhecido como um profissional e a HQ como uma arte. As pessoas estão abrindo os olhos para a importância desse meio de comunicação. O quadrinho nacional ainda tem muito chão pela frente até chegar ao nível ideal, mas os primeiros passos estão sendo dados. Resta torcer para que não haja surpresas desagradáveis na economia do país.

Existe futuro para o artista brasileiro em nosso país, ou teremos sempre que bater às portas de editoras americanas?
Acho que o futuro está ligado a consolidação do mercado brasileiro. Não vejo nenhum problema no fato de artistas brasileiros trabalharem para o mercado americano. Tenho esperança que esses artistas em breve terão a mesma oportunidade aqui no Brasil.


O fanzine é o meio mais honesto que existe para propagar a arte!

Que tem feito ultimamente em termos de HQ?
Temos os nossos trabalhos com a Graph It Art & Softwares, onde ilustramos softs educativos, livros didáticos e coisas do gênero. Na Graph it fizemos um montão de coisas. Muitas ilustrações publicitárias, cartilhas, trabalhos institucionais, quadrinhos encomendados, autorais, o Manicomics, etc. Participamos em 1997 de um concurso nacional de quadrinhos promovido pela ABRA (Associação Brasileira de Arte) e fomos classificados. Isso nos encorajou a viajarmos para São Paulo de ônibus. Uma aventura! Lá conhecemos uma porção de gente importante: Flávio Colin, Shima, Marcelo Campos, Otávio Cariello, Roger Cruz, dentre outras feras. Distribuímos muitos Manicomics e fizemos muitos amigos. Em 1998 abrimos a primeira turma do curso de histórias em quadrinhos da Graph it. Não esperávamos fechar uma turma sequer, mas graças a Deus a procura foi enorme e até hoje eu dou aula de quadrinhos e desenho.

Que acha dos fanzines como publicação alternativa?
Simplesmente fundamentais. É a base de tudo em termos de quadrinhos, de movimento underground, movimento de classes, movimentos alternativos, etc. Puxando mais para as HQs, acho que é um grande aprendizado. O fanzine é o meio mais honesto que existe para propagar arte, idéias e informações, pois não visa lucros, é feito com amor, não tem censura e nem restrições de editor, empresário, político, etc. É um meio independente e livre, por isso, sua grande importância.

Como está sendo a receptividade dos leitores ao trabalho de vocês?
O feed back ao nosso trabalho é muito bom. Recebemos muitos elogios. Gostamos de receber críticas, pois só assim podemos ter mais condições de acertar.

Suas considerações finais:
Gostaria de agradecer esse valioso espaço e queria dizer que me sinto honrado pelo seu interesse ao nosso trabalho. Espero que todos os fanzines se mantenham firmes e cresçam cada vez mais. Vida longa as Histórias em Quadrinhos!

MinQ: Nossos sinceros agradecimentos ao Daniel Brandão pela atenção e pela brevidade em nos atender.

*Alex Sampaio é colecionador de gibis, editor do zine Made in Quadrinhos e colunistas de diversos sites na Internet.

ONDE EU ESTAVA???



Por: José Salles*


O ano era 1974. O mundo, assim como hoje, estava muito – até mais – conturbado. Falava-se em dètente, mas todo mundo ainda morria de medo de uma guerra nuclear. O medo de uma crise econômica mundial, do petróleo com mais uma guerra islâmica-isrraelense. Nos Estados Unidos, o presidente Richard Nixon é obrigado a renunciar depois do escândalo do watergate. No Zaire, Muhamad Ali põe George Foreman à nocaute. Aqui no Brasil, o partido do governo militar, a Arena, leva uma surra nas eleições legislativas e o presidente Geisel anuncia uma abertura lenta e gradual. O Palmeiras derrota o Corinthians e trona-se o campeão paulista da temporada.


Mas onde eu estava no meio dessa confusão toda? Estava com sete anos de idade, começando a frequentar a primeira série e hipnotizado pela nova aquisição de minha família: a TV à cores. Eu que já me tornara um videota e já curtia a TV preto e branco, ficara embasbacado. Assistia os heróis Marvel, os filmes de guerreiros, cawboys, desenhos animados e jogos da copa.


Nunca descuidei da escola. Aprendi a ler. Lia o gibi do Batman. Precisamente o Almanaque Batman de 1974 da Ebal. Meus pais liam gibis para mim. Lembro de Batman, Homem Aranha, dentre outros.


Nas férias, na casa da vovó tinha um sebo de gibis, onde comecei minha coleção que guardo até hoje. Capitão América, Thor, Homem de Ferro, Hulk, Homem Aranha, Príncipe Submarino, Batman e Superman.


Crescendo, virei um "aborrecente", mas não abandonei os gibis. Lia de tudo, mas gostava mesmo era da Marve/DC. Talvez até eu gostasse mais do Asterix, Lucky Luke, Mortadelo & Salaminho, mas não admitia. Virei universitário e no fim de 1980, apareceu Darknight, O Cavaleiro das Trevas, a fantástica história de um Batman envelhecido e neurótico, que mudou os rumos da HQ mundial. Daí surgiram as graphic novel como Watchmen, Orquídea Negra, V de Vingança, Asilo Arkham e tantos outros.


Nesta mesma época comecei a tomar contato com os quadrinhos marginais, graças a Chiclete com Banana, Circo, Geraldão, Animal e outras. Graças também a essas revistas, conheci vários autores incríveis, como Lourenço, Mutarelli, Marcatti, André Toral e o estrangeiro Robert Crumb.


* José Salles é diretor de curtas, estudioso de HQ, crítico de cinema e editor de quadrinhos.