2/01/2010

O Pós Modernismo nos Quadrinhos

Por: Afrânio Garcia

Os últimos vinte e cinco anos do século XX podem muito bem ser chamados de “era da desilusão”. Após um começo de século em que se tinha grandes esperanças na guerra, veio um meio de século em que se tinha grandes esperanças na paz, culminando com o tempo dos hippies, do “flower power” e do “paz e amor”. A partir dos anos setenta, porém, perdeu-se a esperança num futuro brilhante e passou-se a viver exclusivamente para o presente, procurando apenas nos adaptar e habituar a viver com as imperfeições, erros e misérias que a vida nos destina, desde as pichações nos muros até o tráfico de drogas desenfreado, praticamente em todas as grandes cidades do mundo.


Nesse contexto, as histórias em quadrinhos tiveram que se modificar, já que um herói tornou-se uma coisa inviável num mundo em que o indivíduo significa muito pouco (e a propaganda insiste em apresentar o indivíduo como algo ainda mais insignificante) e há muito pouca aventura possível para aqueles que não controlam o poder. Assim sendo, as histórias em quadrinhos pós-modernas mostram: violência desenfreada; ignorância e escatologia, impotência e servidão, o nada do fim do nosso século.


A ultra violência é talvez a característica mais marcante dos heróis das histórias em quadrinhos depois de 1980. Isso é facilmente explicado pela falência da sociedade civil e pelo descrédito do cidadão comum na lei.


Num mundo em que o heroísmo não tem mais lugar, em que o sentimento de impotência do indivíduo diante de coletividades e corporações tentaculares é opressivo, resta ao herói bem pouco espaço para existir. Neste mundo desindividualizado, o herói passa a ser um exilado, um “outcast”, um ser marginalizado, já que a sociedade pós-moderna não lhe possibilita o exercício de seu heroísmo. Neste sentido, o herói pós-moderno assemelha-se ao herói romântico, nessa perspectiva escapista que ambos possuem, de viverem num mundo só deles, distante do mundo real.


Mas a esperança no futuro não foi absolutamente abandonada nos heróis das histórias em quadrinhos pós-modernos. Embora o último quarto do século XX possa justificar o verso de Drummond, “agora é tempo de fezes e maus poemas”, o autor de histórias em quadrinhos, conscientemente ou inconscientemente, crê na possibilidade de um Renascimento em um tempo futuro e apresenta vários arautos deste Renascimento. Com esses personagens, que tudo sabem e nada fazem, sempre à espera de um Renascimento que virá, retratam nossas frustrações e esperanças num mundo em que o indivíduo é, cada vez menos, parte integrante na construção da sociedade à qual pertence.

Um comentário:

Rodrigo Chaves disse...

Gostei muito desse texto, do paralelo dos heróis dos quadrinhos com o momento cultural humano.