2/01/2010

Entrevista: Natalia Forcat

Natalia Forcat é argentina, mas mora no Brasil há mais de dez anos. Na Argentina já desenhava, tendo publicado alguns quadrinhos nas revistas Fierro, Cerdos & Peces e El Tajo. No Brasil, fez ilustrações para revistas como Playboy, Show Bizz, Carícia, Pense Leve, Isto É Minas, Set e Set Vídeos Eróticos, Revista da Folha de São Paulo, Caros Amigos e Trekking. Entre 1998 e 2001 trabalhou como ilustradora e chargista para a Gazeta Mercantil. Colaborou com o álbum Brazilian Heavy Metal com uma história em quadrinhos roteirizada por Dario Chaves. Participou do Primeiro Concurso Nacional de Quadrinhos (HQ Brasil), ficando com o primeiro lugar na categoria tiras de jornal com roteiro de Paulo Batista. Seus mais recentes trabalhos foram ilustrações para os livros infantis e infanto-juvenis A Poesia do ABC (Cuca Fresca Edições), de Alcides Buss; Pontos na Barriga (Saraiva), de Tânia Alexandre Martinelli; Poemas Avoados (Saraiva), de Leo Cunha e Dúvidas, Segredos e Descobertas (Coleção Jabuti), de Helena Carolina. Nessa entrevista, ela nos conta um pouco dessa tragetória:

Como foi o início de sua carreira?
Acho que todo desenhista já nasce desenhando, é uma coisa que vem no sangue, como gostar de doces mais do que salgados e essas coisas. Quando se é criança, se desenha com mais prazer porque não há ninguém do lado questionando o estilo ou criticando a técnica, é puro prazer e descobrimento. Eu, particularmente, sofri um pouco quando entrei na escola primaria, pois a minha professora me proibiu de desenhar. Segundo ela, as outras crianças poderiam ficar inibidas porque meu desenho estava um pouquinho mais desenvolvido e assim fui obrigada a desenhar pessoas feitas de “palitos e bolinhas”. Lembro que isso foi terrível para mim, já que na época eu tinha 6 ou 7 anos. Na adolescência, comecei a desenhar umas coisas “mutcho loucas” , com alguma influência do surrealismo, mas usando técnicas do cartum. Mais tarde comecei a fazer quadrinhos de forma amadora , bastante influenciada pela revista El Vibora (Espanha), gostava muito e ainda gosto do trabalho de Nazario e as aventuras de Ranxerox (Tamburini e Liberatore) e quadrinhos underground americanos como os de Robert Crumb. Foi nessa época que publiquei uns poucos trabalhos na Revista Fierro, num suplemento para novos talentos, várias ilustrações na Revista Cerdos & Peces e participei de uma coletiva no Centro Cultural Recoleta antes de resolver que definitivamente não tinha nascido para morar na Argentina e me mudar para o Brasil. Cheguei no Brasil com uma pasta muito esquisita, cheia de desenhos de estilos insólitos, tudo muito underground e “punk”. Fui parar na Revista Animal, que infelizmente bem naquela época tinha fechado. Logo depois comecei a ilustrar alguns jornais sindicais do PT e na Revista Isto É Minas.

Por que você acha que a maioria dos desenhistas são homens?
Será mesmo? Mariza, Cahu, Priscila Farias, Lúcia Brandão, Cris Burger, Jinnie Pak, Eva Furnari, Maitena, Laurabeatriz…e quantas outras? Não tenho certeza se há muitos mais desenhistas homens do que mulheres, talvez haja mais desenhistas e cartunistas homens conhecidos pelo grande público, com um trabalho autoral, muitas vezes mais voltado para a área política, mas eu também conheço muitas desenhistas mulheres trabalhando na área de livros infantis, animação, mangá, livros didáticos, arte final, etc, só que nessas áreas o nome do artista não é tão divulgado, aparece em letras pequenas num canto do livro ou da revista e ninguém lê. Sempre sugiro que algum estudante faça uma tese de mestrado sobre este assunto, com uma boa pesquisa sobre a produção nacional ou, internacional, para usarmos como referência, mas ate agora não consegui convencer ninguém.

Fale um pouco sobre os seus trabalhos nas revistas que você participou:
Na revista Show Bizz, que naquela época se chamava apenas Bizz, cheguei a fazer algumas ilustrações naquele estilo mais quadrinho como eu fazia na Argentina, assim como na Revista Caros Amigos. Na Revista Caricia arrisquei a fazer um estilo que eu não dominava muito, meus desenhos eram pesados e meus personagens tinham umas caras muito feias, todos eram deformados, cheios de verrugas e pêlos, tinham seios exagerados, etc…Rsss! Mas acabei me dando muito bem naquele estilo “teen”, e trabalhei por 4 anos desenhando a personagem Tininha Hortelã, e isso me abriu muitas portas para o desenho infantil. Outro trabalho que eu gostei muito de fazer foi o da Revista da Folha, a personagem Clô. Trabalhei na Gazeta Mercantil quando morei em Fortaleza. Foram quase três anos fazendo ilustrações diárias, algumas vinhetas, e eventualmente uma charge ou um bico de pena. O fato de ter que fazer ilustrações diárias foi uma experiência interessante pois você fica em forma, como quem malha todos os dias.

E as criações de capas de Cds e livros infantis?
As capas de Cds foram produzidas para a Paradoxx, através do estudio de design gráfico Quarto Mundo. Foi muito bacana pois tive a oportunidade de experimentar técnicas e materiais diferentes, como massinha, montagem, confecção de objetos de papel maché, esculturas, colagens. Foi uma experiência muito enriquecedora em termos de técnica. Atualmente estou trabalhando com um amigo meu, roteirista e ilustrador, produzindo material para livros infantis com muito carinho, em breve estarão nas prateleiras!

Existe algum desenhista que a inspirou no início de sua carreira?
Como toda criança, adorava assistir desenhos da Disney, também gostava dos gibis de Quinterno e Garcia Ferrer: Patoruzú, Isidoro, Hijitus, mas tarde de Quino: Mafalda e os quadrinhos de Fontanarrosa: “Las aveturas de Inodoro Pereira y su perro Mendieta” e “Boogie, el aceitoso”. Ao crescer me apaixonei pelo mundo dos quadrinhos chamados de underground, tanto europeus como americanos, mas não acho que tenham me influenciado tanto no resultado final do meu trabalho, talvez sim no começo da minha profissão.
Algo que acho muito interessante é o projeto das HQs em forma de livro nas escolas para o aluno firmar mais ainda o seu aprendizado, pois qualquer criança gosta de ler uma historinha em quadrinhos. O que você acha desse projeto?
Acho legal, sim, sobretudo para despertar o interesse pela leitura nas crianças pequenas, mas também acho fundamental a leitura de livros. Hoje em dia parece que existe uma tendência para dar tudo digerido e simplificado para as crianças. Parece haver uma obsessão para transformar a educação em algo necessariamente divertido. Não entendo, acho que as crianças têm que crescer sabendo que nem tudo vai ser tão divertido assim na vida o processo de aprendizagem pode ser custoso e difícil. Ao meu ver, a educação está deixando de lado o conteúdo, simplificando demais. Hoje em dia tem que ser quase um palhaço ou um ator para conseguir prender a atenção dos alunos . Pode- se usar o quadrinho, por exemplo, para fixar algum fato histórico, para enriquecer o currículo escolar, para ensinar às crianças a fixar a atenção, para estimular o prazer pela leitura mas não se pode, de forma alguma, dispensar os livros, as crianças têm que aprender a interpretar textos mais longos e complexos. Não podem ter medo dos livros! Você pode ate achar estranho eu dizer isto, gostando tanto de quadrinhos mas o fato é que cada vez as crianças aprendem a ler mais tarde e lêem menos. Isso me assusta, quadrinhos podem ajudar a mudar esse quadro desde que sejam usados criteriosamente.

Como você acha que anda a cultura no Brasil em relação aos outros países?
O Brasil é um país com uma riqueza cultural imensa e muito forte , com muita personalidade. Isso sempre me chamou a atenção. Acho que é um país musical e visual e talvez por isso, os quadrinhos tenham tudo a ver com o Brasil.

E onde está o nosso lado forte?
O lado forte eu penso que é a música, alem de ter personalidade e qualidade, é insuperável!

E o nosso lado fraco?
O que precisa ser fortalecido, assim como no resto de América Latina, é a educação. Os governos precisam investir de verdade em educação, em programas de alfabetização para adultos, em educação com conteúdo, questionadora e que ensine a pensar.

Eu leio muito e indico o livro "Desvendando os Quadrinhos - Autor: Scott MacCloud, Editora: M.Books. Você indica algum livro que trás referência aos quadrinhos ou a arte em geral?
O livro do Maccloud é muito interessante mas eu gosto de indicar e ler quadrinhos mesmo. Durante algum tempo frequentei a Gibiteca Henfil, quando ficava no outro local, perto do Metrô Vila, mas infelizmente hoje se encontra meio abandonada e tem poucos títulos. Para “desvendar “ os quadrinhos recomendo ler : Hugo Pratt, Will Eisner, Moebius, Guido Crepax, Milo Manara, H.G. Oesterheld, Enrique e Alberto Breccia.

Conheço ótimos desenhistas como o Tibúrcio, o Rico, Velasco, Joacy Jamys, Calazans, Moura, Jorge Barreto, Juska e muito outros como você, no qual todos tem um traço e uma técnica inigualáveis. Você gostaria de comentar sobre mais algum desenhista ou ilustrador que tenha traços e técnicas irreverentes?

Sim! Sou fã de vários artistas brasileiros. Dizer que gosto do trabalho do Laerte, do Gonzales e do Angeli é meio obvio, mas não quero deixar de citá-los pois são demais. Admiro muito, também, o trabalho de Mario Vale, ele tem um traço muito pessoal e consegue passar uma mensagem forte e contundente com um estilo de aparência singela. Acho isso genial! Também gosto e recomendo os cartuns e tiras do Gilmar e do Junião. Outro que admiro é o Spacca, é um artista genial, brilhante! As caricaturas dele são de uma sensibilidade e qualidade que poucos conseguem alcançar, com um traço simples e certeiro.

Fale sobre os seus prêmios e participações em salões de humor?
Participei do Primeiro Concurso Nacional de Quadrinhos (HQ BRASIL) ficando com o primeiro lugar na categoria tiras de jornal (roteiro do Paulo Batista) e tive cartuns selecionados no Salão de Piracicaba e no Salão Pernambucano de Humor no ano 1999 e 2003.

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