11/06/2009

Quadrinhos que valem milhões



Como o comércio de desenhos originais de história em quadrinhos criou um mercado que movimenta milhões de dólares por ano.

Por: Thiago Cid

Até pouco tempo atrás, colecionar histórias em quadrinhos era coisa de criança. Hoje em dia, as páginas sobre aventuras de detetives e super-heróis ganharam status de arte pop e colecioná-las se tornou um passatempo com que poucos adultos podem arcar. Especialmente se o objeto de desejo forem os desenhos originais usados para criar as revistas. Nos Estados Unidos, o comércio desses originais criou um mercado sólido que desafia a crise e mantém convenções e leilões regulares, onde um desenho em papel pode alcançar preços de até seis dígitos.

É o caso de um desenho do personagem Lanterna Verde, assinado por Neal Adams e Bernie Wrightson, que o colecionador e comerciante Joe Mannarino comprou por US$ 115 mil, ou cerca de R$ 265 mil. Ele achou uma barganha. Em termos de quadrinhos, Mannarino sabe o que faz. Ele trabalhou por 30 anos como executivo de diversas editoras e é o agente de alguns nomes ilustres do meio, como Frank Frazzeta - mestre dos quadrinhos cujos traços realistas deram vida a Conan, o Bárbaro, Homem Aranha e Tarzan - e Jim Steranko, que já desenhou todo o panteão de heróis da Liga da Justiça, entre os quais figuram Super-homem, Batman e Mulher Maravilha.

Segundo Mannarino, não há um total de quanto o mercado de desenhos originais movimenta por ano, mas ele arrisca uma renda de pelo menos US$ 100 milhões. “Em uma convenção em San Diego, na Califórnia, há poucos meses atrás, eu vendi US$ 1,5 milhão, R$ 3,5 milhões, em três dias”, afirma, ressaltando que não é o único grande comerciante do setor.

Jerry Weist é um outro grande colecionador e escreveu o Guia de Preços de Comic Art, como são chamados, em inglês, os desenhos originais. Weist conta que já viu transações que chegaram a US$ 200 mil, ou R$ 465 mil, como a capa da revista Weird Science nº 16, de 1952, que traz uma invasão de alienígenas saídos de um disco-voador.

A procura por quadrinhos se tornou tão grande que convenções internacionais, como a San Diego Comic-Com, realizada em San Diego, nos EUA, atraem centenas de milhares de pessoas. Prestigiosas casas de leilão, como a Sotheby's, de Londres, perceberam o filão e realizam vendas dessas obras.

Mas como simples desenhos podem ter chegado a esses valores? Segundo Mannarino, parte da valorização se deve à história, parte ao reconhecimento - segundo ele, merecido - do talento dos ilustradores das histórias. A parte histórica se refere à Era de Ouro dos quadrinhos, que foi de 1938 a 1949, também conhecida como a fase dos super-heróis clássicos. Foi quando nasceram personagens como o Super-Homem, criação de do escritor Jerry Siegel e do artista Joe Shuster, cuja primeira aparição foi na revista Action Comics nº1. Mannarino tem um exemplar dessa edição avaliado em US$ 34 mil - R$ 79 mil.

Dessa fase restaram poucos originais. Dois foram os motivos: durante a Segunda Guerra Mundial, houve um esforço nacional para coletar materiais para serem usados na guerra. Tudo era reciclado e não entregar sua coleção de quadrinhos em nome da guerra poderia ser visto como anti-patriótico. O segundo motivo foi o medo das editoras de que burlassem os direitos autorais. Por isso, logo após concluírem os negativos, os editores jogavam fora os originais. O resultado é uma escassez de obras que faz as remanescentes valerem milhares. “Não há nenhum desenho original do magnífico Joe Shuster. Se houvesse, valeria centena de milhares de dólares”, afirma Mannarino.

A segunda fase compreende os anos de 1950, quando os super-heróis estavam em baixa e o interesse migrou para histórias de terror, ficção científica, crime e mistério. Essa fase gerou revistas como Contos da Cripta, que virou uma série para TV americana, e Tex, sobre as aventuras de um cowboy, que até hoje são vendidas nas bancas.

A terceira fase seria o renascimento dos super-heróis, primeiro com o surgimento de Flash, o homem mais rápido do mundo, pela DC Comics. Mas o marca da nova era foi quando o roteirista e diretor da editora Timely, Stan Lee, e o artista Jack Kirby, conhecido como o rei dos quadrinhos, transformaram-na em uma editora com o nome de sua principal publicação: Marvel Comics. A Marvel nasceu para fazer frente à DC e seu crescente sucesso e gerou super-heróis como o Quarteto Fantástico e os X-Men. Nascia ali a Era Marvel dos quadrinhos, que para alguns durou até a década de 1970 e para outros permanece até hoje.

O critério para avaliação de um quadrinho não depende necessariamente de sua data de publicação. Para Weist, valem mais fatores como o autor do desenho, a importância do personagem, se é uma história comum ou um grande acontecimento na vida do herói. Um desenho original de Dick Tracy do anos de 1959 sai por US$ 2 mil, perto de R$ 4500, enquanto um desenho de Jack Kirby dos anos de 1980 pode ser avaliado em US$ 10 mil, ou cerca de R$ 23 mil.

Mas o mercado de "comic art" não vive só de super-heróis. No início do mês, a casa de leilões Bonhams, de Londres, vendeu um desenho dos personagens infantis Ursinho Pooh, Tigre e Leitão por US$ 50 mil, aproximadamente R$ 115 mil. Não há muito apuro artístico no desenho, feito a lápis. O valor estava nas mãos que deram forma aos traços: E.H. Shepard, um dos ilustradores mais famosos da literatura infantil mundial.

Além dos Estados Unidos, a Europa é outro local onde há grande procura por originais de quadrinhos. O maior negócio já realizado ocorreu em um leilão em Paris, quando uma pintura de 1932 do personagem Tintin, do artista belga Hergé, foi vendida por 764 mil euros, o que equivale a R$ 2,6 milhões.

Um dos exemplos de fanáticos que consolidaram o velho continente como o mais recente mercado de quadrinhos é o colecionador Bernard Mahé, que deixou seu emprego em um banco de investimentos para abrir a Gallerie du 9éme Art na capital francesa Paris. Ele deseja pavimentar de vez o caminho para a nova geração de colecionadores, que preferem os exclusivos originais às coleções de revistas, que são um produto industrializado e com milhares de reproduções autênticas.

Sobre o alto valor, nenhum colecionador acha que os originais estejam supervalorizados. Joe Mannarino até arrisca uma comparação com arte moderna. “O talento de um artista para criar com perfeição cenas fantásticas não pode ser depreciado. Ele não possui modelos, tem de criar tudo da cabeça e o traço é perfeito”, argumenta. Mannarino também lembra que artistas como Carmine Infantino ou Curt Swan faziam revistas inteiras com nove quadrinhos em cada uma das 26 páginas todos os meses. “O mestre Jack Kirby desenhava e escrevia os roteiros de cinco revistas por mês, todas com perfeição. Por isso os autores começaram a ser venerados”.

A cara diversão de homens como Weist e Mahé deixou assegurado este “super-legado” para as gerações futuras. Sem medo da crise, eles até dizem que, em tempos de crise, é preferível investir em quadrinhos do que arriscar em ativos podres do mercado financeiro. “O mercado de originais de quadrinhos já existe há 40 anos e nos últimos cinco anos teve um impulso tremendo. O passar do tempo só faz as obras valorizarem e quem gastar um dinheiro com elas hoje certamente terá lucros mais na frente”, diz apaixonado Joe Manarino.

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