10/02/2009

O caminho da simplicidade

Por: Fernando Lopes*

Quando comecei a ler quadrinhos de super-heróis, há quase vinte anos, fui imediatamente cativado por um fato interessante: os personagens tinham vida própria! Até então, nunca tinha me ocorrido que aquelas roupas espalhafatosas deixassem o mínimo de espaço para uma história.

Minha concepção de super-heróis, na época, restringia-se ao que eu conhecia do desenho dos Superamigos: um bando de caras com a cueca por fora das calças reunidos o dia inteiro na Sala da Justiça rezando para que o bendito alerta de perigo tocasse e eles tivessem uma boa desculpa para deixar de aturar aqueles malas dos Super-Gêmeos.

Imaginem minha surpresa ao ver que aqueles fugitivos de baile carnavalesco tinham um passado, uma motivação, aspirações... Eram, enfim, personagens ligeiramente menos bidimensionais do que eu supunha. É bem verdade que, via de regra, as histórias tinham a profundidade de um pires e os personagens restringiam-se a um amontoado de estereótipos feitos sob medida para agradar recalques adolescentes. Mas, que diabos! Eu era adolescente! Nada mais justo, portanto, que eu me identificasse com os problemas daqueles camaradas e passasse a acompanhar suas aventuras e desventuras mensais.

Mais do que os poderes mirabolantes ou as atuações heróicas, os quadrinhos prenderam-me por um conceito que eu até então desconhecia: a continuidade. Diferentes dos heróis da literatura, cujas aventuras ficam restritas a um dado período de tempo, deixando o leitor órfão no final do livro, carente de novas emoções, os personagens de quadrinhos estavam sempre sujeitos a mudanças, mais ou menos como na vida real. Era como acompanhar uma novela que se desenrolava mensalmente nas páginas de cada gibi. Posso estar enganado, mas sinto que a maioria dos fãs do gênero compartilham desse sentimento, em maior ou menor escala.

Por mais fascinante que seja o conceito, porém, a continuidade é uma verdadeira armadilha. Quando ela se torna confusa a ponto de desnortear até mesmo o mais fiel dos leitores, deixa de ser um atrativo para tornar-se um monstro capaz de afugentar o fanboy mais babão. Falo com conhecimento de causa: aconteceu comigo e arrasou minha relação com os personagens da Marvel.

E é curioso notar como tanto Marvel quanto DC acabaram prisioneiras de suas confusas cronologias. Tentam, em vão, contentar os fãs mais antigos e ainda atrair fãs mais novos, falhando fragorosamente nos dois casos. Os primeiros normalmente são os chatos que dedicam a vida a reclamar dos buracos na continuidade. Já os novatos pegam o bonde andando, não entendem patavina do que está acontecendo e fogem assustados na primeira oportunidade.

Gerenciar o tempo é confuso, seja na vida real ou nos quadrinhos. Os editores deveriam ter isso em mente e trabalhar a cronologia de modo mais racional. Plots intermináveis, espalhados por dúzias de revistas, com milhares de pontas soltas e recordatórios a cada dois quadrinhos só servem para aporrinhar o leitor. Talvez seja a hora das editoras buscarem o caminho da simplicidade: arcos curtos, histórias fechadas, planejamento coerente, evolução gradativa. Pode até não ser a solução, mas certamente tornará a vida dos leitores bem menos complicada.


*Fernando Lopes é jornalista e amante dos quadrinhos

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