8/03/2009

ENTREVISTA: Waldomiro Vergueiro

Especialista em histórias em quadrinhos, o professor Waldomiro Vergueiro é coordenador do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Segundo ele, o quadrinho brasileiro reflete a realidade urbana dos jovens das grandes cidades do país. Para ele, são os adolescentes de 13 aos 25 anos que mais lêem histórias em quadrinhos. Nesta ótima entrevista, ele nos mostra um pouco das suas idéias, seus conceitos e seus conhecimentos sobre o mercado de quadrinhos de um modo geral.

Por: Marcus Tavares

Que modelos e padrões de comportamento os quadrinhos brasileiros veiculam?
Vivemos num grande contexto globalizado, num grande sistema de comunicação interligado. Neste cenário, as histórias em quadrinhos veiculam modelos e padrões de comportamento que já são transmitidos pelas outras mídias, em todo o mundo. Tudo acaba se repetindo. No Brasil, o quadrinho reflete, de uma forma geral, a realidade urbana dos jovens das grandes cidades do país.

Como assim?
Os jovens são influenciados pela cultura pop, pela televisão e pelos meios eletrônicos. Uma realidade que, na verdade, não é tão diferente daquela que vivem os jovens de outros países. O que há de diferente em nossas histórias são algumas características e especificidades que dizem respeito a nossa cultura local, expressa, por exemplo, nos relacionamentos de amizade e de amor e na apresentação e definição dos grupos sociais.

Daí então o interesse das crianças pelos quadrinhos?
As crianças naturalmente gostam dos quadrinhos, se identificam com a narrativa. Afinal, a linguagem dos quadrinhos se aproxima muito do universo das crianças e também dos adolescentes. Felizmente, aqui no Brasil, temos uma forte produção infantil, basicamente assinada por Mauricio de Sousa que está facilmente disponível no mercado e ao alcance de boa parte dos leitores. A leitura é fácil e prazerosa. Se compararmos com a de outros países, a produção de quadrinho infantil brasileiro é bastante significativa.

Isso não se encontra mais em outros países?
Nos EUA, por exemplo, não se publica mais quadrinho infantil. Lá, as histórias são voltadas para os jovens. Mesmo tendo um mercado de quadrinhos infantis monopolizado, as revistas de Mauricio de Sousa respondem aproximadamente por 85% de tudo o que é produzido para o público infantil. O Brasil é uma exceção na América Latina em investimentos no setor.

O mesmo vale para os adolescentes?
O jovem acaba não tendo a mesma relação com os quadrinhos. Muitas vezes, ele acaba sendo chamado ou fisgado por outras mídias de uma forma mais persuasiva do que as crianças. Por outro lado também há poucos investimentos para este segmento. O mercado editorial para os adolescentes é marcado pelas produções estrangeiras. Os jovens que crescem lendo os gibis do Mauricio de Sousa quando chegam à adolescência não têm uma alternativa nacional. Ou seja, quando o leitor passa a 'fase da Mônica’, ele não encontra nada.

Por que isso acontece?
As tentativas não deram certo porque o predomínio das histórias em quadrinhos com base nos super-heróis e nas histórias norte-americanas é total. Este processo dá origem a um círculo vicioso. Os jovens que lêem os quadrinhos importados e que se formam na área acabam reproduzindo o mesmo formato e conteúdo. É difícil quebrar este movimento. Por outro lado, o próprio leitor jovem de hoje quer exatamente este tipo de material. Um material que é amplamente divulgado e reforçado pelas demais mídias. Chega o quadrinho do super-herói ao mesmo tempo em que são lançados o filme, o bonequinho e o desenho animado. As mídias se reforçam. Acaba sendo uma competição desleal para os produtos brasileiros. Os jovens de 13 aos 25 anos são os que mais lêem histórias em quadrinhos. As crianças lêem muito, mas não de uma forma intensiva quanto os jovens.

O professor deveria trabalhar o quadrinho com o mesmo rigor que usa o livro didático!

E nas escolas, as histórias em quadrinhos vêm ganhando espaço?
Já não sinto mais um preconceito, mas, sim, um estranhamento à introdução dos quadrinhos na sala de aula. Há uma falta de familiaridade. Muitos professores querem utilizar, mas não sabem como. O Núcleo de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicação e Artes da USP, tem trabalhado neste sentido, mostrando alternativas e caminhos para que os quadrinhos sejam utilizados de forma mais inteligente.

De que forma?
Acredito que os quadrinhos devam ser usados pelas escolas, de uma forma interdisciplinar, integrando várias disciplinas. O professor deve trabalhar o quadrinho com o mesmo rigor que usa o livro didático. Não acredito que exista limite para a utilização de quadrinhos na educação. Tudo depende da criatividade do professor.

Há um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que determina mecanismos de proteção à produção de quadrinhos nacionais, incentivando a realização de obras e de projetos escolares. O senhor é a favor desta proposta?
Sou. Acredito que o caminho a ser adotado seja esse mesmo. Todos os países que baixaram leis de proteção tiveram êxito em suas propostas.

As histórias em quadrinhos, da forma como ainda conhecemos hoje, continuará a existir!

Outros países adotaram essa política?
Sim! A Argentina fez isso. A França e a Itália também trabalharam neste sentido. A proposta não vai colocar em xeque o que já existe, só vai acrescentar.

Qual é o futuro dos quadrinhos?
Estou convencido que o futuro dos quadrinhos é a segmentação de mercado. Quadrinhos específicos para públicos específicos. Quadrinhos para crianças, para meninas adolescentes, para meninas mais velhas... A Era dos Quadrinhos como meio de massa e produto de massa é coisa do passado. Com o advento das novas tecnologias, vamos ter o aparecimento de produtos híbridos, ou seja, quadrinhos que incorporam elementos da multimídia. Este é um caminho sem volta.

Chega-se a conclusão que o quadrinho em forma de papel tende a acabar?
De jeito nenhum. Acredito que as histórias em quadrinhos, da forma como ainda conhecemos hoje, continuará a existir.



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