9/03/2009

ENTREVISTA: Emir Ribeiro

O criador de Velta, Emir Ribeiro, fala da sua iniciação no mundo dos quadrinhos, das suas influências, dos seu interesse por super heróis, dos seus contatos com editoras, da difícil arte de penetrar no mercado americano, dos fanzines como válvula de escape para divulgação da HQ nacional, das suas publicações e dos seus projetos, nessa excelente entrevista ao nosso blog:

Por: Alex Sampaio


1- Creio que não se faz necessária uma apresentação do artista Emir Ribeiro. Porém, gostaria de saber sobre sua formação em termos de quadrinhos:
Nunca fiz cursos nem participei de seminários. Prêmio só ganhei um: "Nova". Já comprei alguns livros sobre HQ, apenas para melhorar a arte. Meu aprendizado sempre foi através de observação. Quando batia o olho em um determinado desenhista, tentava ver seus pontos fortes para incorporar ao meu estilo. Até hoje faço isso, afinal o aprendizado continua.


2- Como você definiria suas influências?
No bojo do método do aprendizado, as influências não foram totais, e sim parciais. É como eu disse, o método consiste em extrair o melhor de cada artista. Contudo, sempre cito o genial Jack Kirby como a minha influência em HQ. Infelizmente ele já faleceu. Foi vendo os desenhos dele, que surgiu a inspiração para minha tara por quadrinhos.


MINHA PRIMEIRA INFLUÊNCIA NAS HQs FOI DO GENIAL JACK KIRBY!


3- E essa obsessão por quadrinhos, como surgiu?
Surgiu principalmente por interesse em super heróis. Meu pai só comprou televisão em 1968, e foi dessa época as primeiras exibições no Brasil dos desenhos animados da Marvel. Dos cinco heróis apresentados, simpatizei de cara com o Hulk. Também acompanhei o seriado apalhaçado do Batman, apresentado nas quartas e quintas-feiras. Em pouco tempo apareceram as revistas da Marvel, onde comprei todas. Daí para começar a desenhar foi rápido.


4- Que lia nessa época em termos de HQ?
Lia todas as revistas Marvel da EBAL, tipo Superxis, Capitão Z, Álbum Gigante e, posteriormente suas sucessoras: Solar, Homem Átomo, Batman, Super Homem, Invictos, dentre outras.


5- E o que tem lido atualmente em termos de quadrinhos?
Pouquíssima coisa. Parei com os estrangeiros há alguns anos, por total perda de interesse. Nem filmes e outros tipos de produções eu consumo mais. Como o material nacional é raro de sair, então, o espaçamento entre as leituras são grandes. O último álbum que li foi o Musashi II do mestre Shima. Estou à procura do "Desenhando a Arte Fantástica" do Mozart, mas ainda não encontrei com facilidade por essas bandas. O mesmo com relação à Bruuna X do Colonesse.


6- Como surgiu a inspiração para a criação de Velta?
Velta apareceu em 1973. Inicialmente não como personagem de quadrinhos, mas apenas como figura bonita numa pintura à óleo. A inspiração principal foi a "pravda", dos belgas Peelaert e Thomas. Evidente que foi o fato dela ser motoqueira o motivo da pintura. Porém, eu não conhecia nada de Pravda e só a vira uma única vez numa revista. Velta só passou a ser personagem de quadrinhos três meses depois da confecção do quadro, quando fui incumbido da editoracão de um jornal do colégio. Destinei páginas para quadrinhos e lancei Velta em desenhos toscos feitos com lápis crayon e esferográfica preta.Com o passar do tempo fui criando as particularidades da vida ddela com base em coisas vistas por aí, ou mesmo por gostos pessoais.


7- E o gênero super herói, por que o estilo mais popular americano o influenciou?
Era a única coisa disponível na época. Era só o que se via na TV e revistas. Eu era um garotão de 14 anos e repeti o que estava vendo. Em 1975 veio a chance de publicar em um jornal de grande tiragem que circulava por todo o estado. Peguei Velta e aproveitei a chance. A medida que ocupava mais espaço, ia lançando mais personagens, como Itabira que de nada tem de super herói, a Nova e o Homem de Preto. QQuando menos esperei, os anos se passaram e os personagens se tornaram muito conhecidos do público leitor, a ponto de garotos até começarem a fazer histórias com eles. Minhas idéias foram mudando, mas não dava para voltar atrás. A solução foi dar mais brasilidade às criações, mudando nomes, cenários e situações. Os heróisapesar da mitologia importada, agora estavam montados em bases bem nacionais.


8- De onde vêm as inspirações para a criação dos seus roteiros?
De fatos diários, de outras HQs, de uma conversa com amigos, de uma frase, de uma novela de um filme, de algo visto na rua, enfim, vem de todos os lados. Mesmo assim, procuro sempre fazer roteiros os mais realistas e interessantes possíveis, apesar da parte fantástica.


9- Você produziu muitas coisas alternativas. Fale um pouco sobre elas:
ZAT foi lançado em agosto de 1994, tendo como proposta, o resgate de todo material de minha autoria, publicado ou não, produzido ao longo desses anos todos. Quando eu decidi publicá-lo, tinha em mente a preocupação de não deixar esquecidos os fatos ocorridos ao longo do processo criativo e de publicação das minhas criações. É preciso que os leitores saibam o quanto se sofre sendo quadrinista no Brasil. Como o fanzine era bem variado, não ficava só nisso. Republiquei muita coisa saída só na Paraíba, que não tinha sido lida em outros estados. Saiu também material que não foi publicado nos states, tipo amostras com detalhes e bastidores.


10- Seria bom falar também sobre os 30 anos de Velta:
Foi um aniversário que trouxe a maturidade final à personagem. Na sequência à edição lançada pela Opera Graphica em fins de 2003, estará vindo um novo álbum que vai dar uma sacudida na vida de Velta, e apresentar mudanças e novidades que a deixarão cada vez mais caracteristicamente brasileira. Infelizmente, nesse tempo todo, mesmo com a direção contrária às velhas fórmulas estrangeiras, as pessoas estigmatizaram Velta como uma super-heroína. Há décadas procuro fugir dessa origem. Não nego para ninguém, e nem tento apagar o passado, ou fingir que ele não existiu. Pelo contrário, o assumo. Mas, de uns 20 anos para cá, meu intento é outro bem diferente.


11- Quais outros zines você também editou?
O Molhadas & Fogosas eu lancei em novembro de 1996, que circulou a pedido dos leitores do ZAT, onde republiquei somente histórias eróticas publicadas nas editoras paulistas e matérias escritas sobre os bastidores e processos de criação. Teve também o ZAT Contos, que lancei em abril de 1997, com proposta de organizar cronologicamente todas as histórias de Velta publicadas. Nos contos, baseados nas HQs saídas em jornais, revistas alternativas e fanzines, há um detalhamento minucioso sobre a vida pessoal da personagem. Funcionou como livro de bolso.


12- Os fanzines pararam de circular?
Momentaneamente sim.


É PRECISO QUE OS LEITORES SAIBAM O QUANTO SE SOFRE SENDO QUADRINISTA NO BRASIL!


13- Que acha dos fanzines como publicação alternativa?
São nossas válvulas de escape e nossa seara. É onde ainda tenho bons amigos. Com negação de oportunidades nas editoras, a solução é desovar os trabalhos engavetados nos fanzines, mesmo que tenham um público reduzido de leitores. Os fanzines são uma resposta revoltada às panelinhas e aos editores pedantes. É onde os artistas são tratados com respeito. Por isso nunca abandono os zines, mesmo quando trabalhava para os Estados Unidos.


14- Você não publica mais zines, apenas tem colaborado com alguns deles que circulam. A Internet passou a ser seu elo de ligação com os leitores?
Para mim, a internet é apenas um veículo de divulgação e contato mais rápido. Com relação à leitura e apreciação de uma história em quadrinhos ou um livro, melhor mesmo é o volume impresso, pois independe de posição desconfortável, quedas de conexão ou energia, para ser consumido.


15- Quais as maiores dificuldades para se concretizar um trabalho no mercado americano?
O quadrinho americano continua vendendo pouco e a crise ainda perdura. A maioria do pessoal trabalha sem contrato. Existem acordos telefônicos, verbais, via fax ou e-mail. A qualquer momento podem ser dispensados. Os editores são uns chatos e exigem demais do artista.


16- Quais as maiores exigências do editor americano?
Quantidade e qualidade. Ou seja, o desenhista tem de fazer as coisas rápido, dentro de prazos super apertados e a arte tem de sair da maneira exigida por eles.


OS EDITORES AMERICANOS SÃO UNS CHATOS E EXIGEM DEMAIS DO ARTISTA!


17- De que maneira?
Eles não gostam de desenhos com sombra, sem ação e sem dinâmica. Quanto mais poses agressivas e brigas, melhor. Tudo dentro de padrões "perfeitos" na visão deles. Os homens têm de ser musculosos, com cabeças pequenas e mulheres peitudas e pernas longas.


18- A gente que está sabendo disso agora, fica com a impressão que vocês trabalham ou trabalharam no inferno...
Com certeza. E tem casos piores, de gente que nada entende de quadrinhos e está na editora por ser amigo de A ou B. O resultado é um desastre. Tem imbecil que censura os desenhos, cortando coisas ou mandando redesenharem por cima do original. Já houve casos de gente religiosa, feminista e outros tipos munidos do poder celestial do editor, que tocava o pau a moldar a revista às suas concepções.


19- De que maneira o artista brasileiro pode contatar uma editora americana?
É preciso de um agenciador. Tem que ser cara a cara com o editor. Só assim poderá convencê-lo a aceitar esse ou aquele desenhista. Não adianta enviar amostras pelo correio, pois não chegarão às mãos dos editores.


20- Pelo que se percebe então, é muito difícil se chegar aos states?
Muito mesmo! É preciso estar muito preparado profissionalmente. O pessoal que lê as entrevistas dos brasileiros em fanzines e revistas ainda acha que é simples e sem muita dificuldade. A concorrência é grande e os caras exigem muita qualidade e rapidez.


21- Que aconteceu entre Emir e o estúdio Art & Comics?
A direção do estúdio tomava certas atitudes impossíveis de se concordar, e assim, quando uma parte está descontente, melhor é abandonar a parceria.


22- Muitos iniciantes lhe mandam amostras de desenhos. O que você tem a dizer para esses novatos?
De fato recebo muitas amostras. Os desenhos não estão nem perto do exigido. Seriam bloqueados logo. Infelizmente não posso ensinar técnicas a tanta gente, falta tempo.


23- Gostaria que você falasse um pouco sobre seus contatos com nossas editoras:
Muitas decepções! Isso quando se dignam a mandar uma ou duas linhas como resposta. E editora mais educada nesse ponto foi a Ebal, que jamais deixou de responder a nenhuma de minhas remessas de desenhos para avaliação. As outras sempre silenciaram. Tem sido assim sempre e até hoje também. Aprendi a duras penas que é preciso morar em São Paulo, fazer amizades e várias concessões para achar uma brecha no mercado editorial. Quando me dei conta disso, já era tarde, pois estava casado, com filhos e portanto, o negócio era arranjar emprego e deixar o sonho para as horas vagas. Nesse meio tempo, prossegui nos estudos, melhorando os desenhos e os roteiros. Engavetei muita coisa ou publiquei nos fanzines e revistas alternativas.


24- Quais as dificuldades para a consolidação do quadrinho nacional?
O uso da estratégia certa. Acontece que os editores são gananciosos e querem o lucro rápido. Quando aparece um bem intencionado, é teimoso e não ouve sugestões, levando as revistas ao cancelamento.


25- Falta uma maior visão do mercado?
Eu tenho mil idéias para viabilizar uma revista de quadrinhos nacional e inclusive já expus a muitos editores. Mas é perda de tempo. Além disso, há um outro fator: O público leitor já está acostumado com os nomes em inglês. Quando vê um brasileiro, folheia e joga para lá. O leitor já tem uma idéia pré-estabelecida de que coisa feita no Brasil não presta e nem se dá ao trabalho de ler. Porém, o obstáculo principal é o editor.


26- Quais seus heróis preferidos nos quadrinhos?
Sempre fui fã confesso da minha própria criação, a Velta. No estrangeiro, fico com Batman e Hulk.


27- Uma das suas dedicações são os cartões, abrangendo vários temas, inclusive com procura grande até nos Estados Unidos. É uma alternativa de trabalho para o artista?
De fato, na última verificada nas cotações, andam revendendo cartões desenhados por mim por 10, 40, 50 e até 100 dólares no mercado Norte-Americano, e isso é muito bom, pois valoriza mais meu trabalho. Diferentemente da revista, onde o desenho tem de passar pela aprovação de um editor que muitas vezes tem uma visão bem estreita e reprova trabalhos vendáveis antes de serem postos à disposição dos leitores, os cartões originais alcançam diretamente os consumidores, havendo assim, pouca ingerência do editor. Pude ver a reação dos que adquiriram os cartões em enquetes e páginas estrangeiras, onde sou apontado com um dos artistas preferidos pelo público, nessa linha.


28- Soube que Velta está entrando no formato de mangá. Como surgiu esta idéia?
De conversas com os amigos Daniel Horn, Marcelo Salaza, Kal Moon e Anderson Quespaner, além de meu próprio filho Emir II ser comprador assíduo de mangás. Vi que poderia ter um público novo não explorado pelo meu estilo mais realista. Daí, estamos desenvolvendo o projeto para experimentar como será seu desempenho.


* Alex Sampaio é colunista do blog, editor do fanzine Made in Quadrinhos e colecionador de gibis.

Um comentário:

Anderson ANDF disse...

Emir é um grande artista. Só não sei o que houve com o projeto EPOPÉIA, ligado à VELTA.